O escuro que clareia

10/06/2020


Quando criança é comum falarmos sobre os monstros debaixo da cama, dentro do guarda-roupa e as dezenas de criaturas existentes quando as luzes se apagam, sempre monstros que partem do mundo externo e produzem inquietação. Hoje, podendo olhar de forma diferente, me parece que a inquietação parte da angústia do desconhecido e o medo do escuro é decorrente do medo de olhar para os monstros internos que tampouco conhecemos. Porém, o perigo do não saber é a abertura de lacunas tendenciosas ao preenchimento com explicações que proporcionam um conforto temporário, armadilhas para não entrar na própria escuridão.

Tais armadilhas só aumentam a distância existente do próprio eu através de discursos genéricos que delegam para o mundo a responsabilidade dos próprios desejos. Me lembro de Sartre que, partindo da corrente filosófica existencialista, põe o homem como ser inteiramente responsável pelas suas escolhas e compreende que estamos condenados a sermos livres. Penso que tal liberdade pode angustiar a partir do momento em que a sociedade vira espelho do homem e a essência da própria existência entra em conflito com o desejo social, sendo assim, parafraseando o mesmo autor: O inferno são os outros. Não aceitar o escuro é continuar refém do outro e da angústia do não saber da própria existência, é ter medo de assumir as próprias fraquezas, é não tentar mergulhar no escuro do inconsciente e, como diria Caetano, saber a dor e a delícia de ser o que é, portanto, partindo desse vértice, somos o nosso próprio inferno.

Permitir entrar no escuro do inconsciente é ousar assumir a responsabilidade da condução do próprio barco, é encontrar-se em um naufrágio e descobrir que enquanto houver vida não haverá “terra firme”, mas que a cada nova busca há oportunidade de novas descobertas; é mergulhar na imensidão desconhecida e perceber que podem existir maravilhas não exploradas no oceano profundo do próprio interior, é acolher os próprios monstros e os sentimentos mais sombrios, é ter coragem para encarar a si mesmo, encontrar-se no desencontro e entender que mergulhar no próprio escuro é a única forma de encontrar a claridade.

 

Autora: Walleska Tavares 
Psicóloga CRP 19/3543
Psicoterapeuta - NPA 

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Coordenação: Danilo Goulart