Um herói, por favor!

16/12/2016

 

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Um herói, por favor!

O termo da hora, eleito pelo dicionário Oxford como a palavra do ano, “pós-verdade”, impacta. Sugere que o mundo civilizado, que tem acesso às redes sociais virtuais, está sob forte influência de simulacros de verdade. As fontes de notícias idôneas perdem em importância. Multiplicam-se as opiniões, os boatos, e o leitor perde o norte. Como aferir a confiabilidade da notícia que chega? Difícil. E o relato bombástico do assalto recém ocorrido na esquina da tua casa? Será verdade? Pode ser que sim, pode ser que não. Normalmente não é. Mas tu lês, mesmo assim. E encaminhas. E por quê? Pensas, talvez, que os teus amigos, como tu, saberão usar o bom senso para filtrar a veracidade dos fatos? E trata-se mesmo de bom senso? Não é esse um frágil instrumento para julgar a licitude de uma notícia? Em especial nesses dias insanos, em que brutalidades e absurdos políticos povoam o nosso dia a dia, dando a impressão de que tudo pode acontecer?

O quê, além de curiosidade, move-nos a acolher indiscriminadamente o que nos chega à tela virtual, e a encaminhar rapidamente, também com parcos critérios? Fascínio, talvez? Sedução? O “plim” no celular, sinalizando nova mensagem, anuncia consigo uma miríade de promessas: contato, informação privilegiada, poder de ação e de influência. Aos poucos, em outro exemplo de controle subliminar, vai sendo revelada ao grande público a lógica envolvente por trás do timeline. Se gosto de cinza, por exemplo, o facebook me oferece amigos que adoram cinza. Tudo para me manter consumindo, conectado e fissurado nesse instrumento que me encanta como sereia. E me conduz. Lá pelas tantas, pensa bem: és tu que dizes ao facebook do que gostas, o que preferes, ou é ele que te diz do que gostas e quem tu és?

O aparato virtual pode oferecer mentiras e fantasias. Mas qual é o combustível que alimenta a máquina da “pós-verdade”? Para mim, são nossas lacunas existenciais: vazios internos, solidão, carência de modelos, emblemáticas dos tempos atuais, e tantas vezes despercebidas. Estamos nos tempos da Patologia do Vazio, afirma a psicanálise, mas olhamos ao redor e só vemos pessoas lindas e sorridentes. Hamlet diria que “Há algo de podre no reino da Dinamarca”. Sou fã também da Pollyanna, então proponho uma solução conciliatória para essa aparente contradição: não fingem os sorrisos, apenas exageram no fotoshop. Seria lícito afirmar que os meios de comunicação virtuais contemporâneos, caracterizados pelo imediatismo, alcance amplo e longínquo, desafiando o tempo e fronteiras, oferecem-nos uma espécie de prótese ou “fotoshop mental”? Penso que sim, que a comunicação impulsiva, impactante vem, às vezes, preencher lacunas habitadas por impensáveis angústias. E quando assim o é, o conteúdo da notícia que chega inadvertidamente torna-se secundário. Um herói, por favor! Qualquer um, pois ouvi dizer que devo ser feliz, e não sou. Qualquer um, desde que me faça sentir vivo e pertencente.

Idete Zimerman Bizzi

PsiquiatraPsicanalista, membro associado da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre