À Horacio

04/07/2016

À Horacio

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Conheci Ricardo Horacio Etchegoyen em um Congresso Brasileiro de Psicanálise, lá pelos anos 90, se não me falha a memória, em um dos elevadores do Hotel Glória, Rio de Janeiro, no Congresso de 1993

.Era um senhor de 74 anos, cabelos e bigodes grisalhos, impecável em seu terno argentino, descíamos de nossos apartamentos para a solenidade de abertura do evento. Na minha curiosidade de analista em formação à época, tendo seu livro Fundamentos da Técnica como parte da bibliografia de estudo e sendo ele o presidente da IPA, não pude deixar de reconhecê-lo.

Horacio era sério, com um certo ar dramático, próprio de sua cultura, um homem pequeno, magro e parecia-me inquieto. Arrisquei um “boa noite” formal. O professor respondeu de pronto e abriu um discreto sorriso. Puxou conversa, perguntando se eu iria ao Congresso e se já nos conhecíamos. Adquiri o seu livro recentemente, disse, para estudos da formação. Contei-lhe que era de Aracaju, fazendo formação em Recife.

Dirigíamos já ao salão da solenidade e, a caminho, pudemos trocar algumas palavras ainda. Simpático, afável, mostrou-se interessado em saber da minha experiência sendo o único em formação psicanalítica pela IPA em minha cidade na ocasião.

Contou-me rapidamente de sua experiência como analista pioneiro em Mendoza e das muitas dificuldades enfrentadas por ele naquela condição, tendo que se dedicar a várias atividades ao mesmo tempo, aulas, análises, supervisões, precisando conviver com analisandos em diversas situações, inclusive sociais, residindo em uma cidade pequena: “No es bueno, no es lo ideal, pero lo que es posible en una situación como esta, en la condición de pionero. Es un gran desafío, prepárese, mi amigo”.

Jamais esqueci aquele encontro, aquelas palavras, embora, naquele momento, me faltasse a experiência que só me veio depois, com os anos.

Nascido em 13 de janeiro de 1919, médico psiquiatra pela Faculdade de Medicina de La Plata, na provincia de Buenos Aires, casado com Élida Pieri, teve três filhos, Laura, Alberto e Alicia. Iniciou sua primeira análise pessoal com Rascovisky, interrompida após um ano e meio. Sua segunda análise, com Heinrich Racker, durou cerca de sete anos e deixou marcas profundas em seu desenvolvimento como psicanalista.

Realizou sua formação analítica pela Associação Psicanalítica Argentina e em 1957 ingressou como professor de psiquiatria na Faculdade de Medicina de Mendoza, plantando as sementes da futura e atual Sociedade Psicanalítica de Mendoza.

Viajou a Londres em 1966, com uma bolsa de estudos, tendo trabalhado na Tavistock Clinic, quando realizou uma nova experiencia de análise pessoal com Donald Meltzer. Retornou a Buenos Aires, sendo um dos fundadores da Associação Psicanalítica de Buenos Aires e seu primeiro presidente.

Tendo ocupado diversos cargos em instituições psicanalíticas na Argentina e na FEPAL, Etchegoyen foi o primeiro latinoamericano a exercer a presidência da IPA, entre os anos 1991-1993, com uma gestão democrática e interessada no desenvolvimento de novos grupos.

Horacio nos deixa neste 2016, aos 97 anos, a responsabilidade de cuidar de seu legado científico, político, humanitário e de desenvolvê-lo, enfrentando novos desafios. Hora de descansar, presidente, de voltar para casa.

Adalberto A. Goulart

Membro Titular e Didata da SPRPE

Presidente do NPA e do IPFR AB Ferrari/Brasil