Meu computador congelou na hora que eu escrevia

14/07/2015

 

Meu computador congelou na hora que eu escrevia

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Na manhã do último feriado eu parei um pouco com minhas obrigações do dia a dia e sentei na frente do computador. Senti um impulso, talvez escrever alguma coisa, estava inquieto. Nesse feriado eu não tinha que trabalhar, raro para mim ter um dia sem trabalhar, mesmo sendo feriado.Estava sozinho e às vezes é arriscado ficar sozinho. Aparecem coisas na mente para nos acompanhar.

Existem muitas formas de alguém ficar sozinho mas seja qual for ela, pode congelar a gente.

Jéssica Maria de 36 anos me falou que aos 16 anos conheceu alguém que a marcou muito. Foi um homem uns 20 anos mais velho que ela, bonito, maduro, experiente, um James Bond. Ela jovem, linda e ligada à família ficou fascinada por ele, pelo seu modo carinhoso e gentil.Namoravam escondidos pois o pai não aceitava esse relacionamento e depois de certo tempo se afastaram devido às dificuldades. Jéssica me disse que depois de tanto tempo ainda tem vontade de encontrá-lo, pois a lembrança desse amor ainda a machuca e a consome. Nunca mais se viram, mas pensa nele todo dia. Fica angustiada pelo que podiam ter vivido e não viveram...e chora.

Eu estava escrevendo e a tela do computador “congelou” sem motivo, travou seu funcionamento. Não adianta sacudir a máquina, apertar teclas, arrancar os cabelos, ligar para o fabricante porque o aparelho fica impassível: mudo, cego e surdo. Algum tempo depois eu e meu computador começamos a nos relacionar novamente, na boa.

Já que o computador voltou, volto a falar da Jéssica. Paixão adolescente por um homem maduro. Muitas mulheres falam de uma secreta e romântica admiração por professores, vizinhos, pais de amigas. Toda adolescente normal pode passar por isso. Mas com ela acredito que tenha sido diferente. Ela iniciou uma relação com esse homem, e como era de se esperar, seu pai se opôs. Talvez eles devessem ter a mesma idade, não sei. Um estava apaixonado pela juventude e beleza da namorada e o outro preocupado pela integridade da filha amada.

O meu computador “congelou”. E Jéssica também “congelou” por 20 anos a imagem do homem que amou na adolescência. Computadores e pessoas quando travam as imagens perdem uma função muito importante. Não permitem que novas imagens, palavras, pessoas, amores apareçam. Ela permaneceu fascinada, orgulhosa, fixada no amor intenso e competitivo de dois homens, dois pais, dois amantes. Amar um homem maduro impregnado de paternalismo é normal para as adolescentes, mas congelar sua imagem por décadas não é normal.

Para sair do congelamento eu penso fazer o seguinte procedimento padrão: desligar a máquina, esperar um pouco, ligar novamente e ver se aparecem palavras novas, figuras novas, amores novos. Não importa a idade; o que importa é que sejam novos.

Aldo Christiano

Médico, Psicanalista em formação

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data de publicação: 14/07/2015