Por favor, um cafezinho acompanhado de sentimentos!

11/11/2014

 

Por favor, um cafezinho acompanhado de sentimentos!

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“Alô, a turma marcou para que horas mesmo? Às oito? Ok! Até!”. Oito horas no restaurante. “Onde estão todos?” Você se senta à mesa enorme reservada para os colegas e só está você. “O que se passa? Não marcaram à oito?” – você se pergunta. Parece um hábito comum em nosso país os atrasos aos encontros. E nas igrejas? Ai da noiva que não se atrasar! Se o casamento está marcado às sete e ela chega pontualmente, as primeiras fotos do álbum de casamento serão de uma igreja vazia ou com somente a metade dos convidados presentes. Os demais vão chegando aos poucos. Não sei se isso ocorre em outros países, mas, pelo que observo, parece que se tornou um hábito cultural e me pergunto o que isso pode significar.

O fato de sermos uma espécie de grupo nos coloca numa condição interessante. Parece difícil suportar estar sós com nós mesmos. Então, o jeito é atrasar para não ter que ficar esperando pelos outros e suportar ficar em nossa própria companhia. Esperar, nos dias de hoje, é uma missão quase impossível, pois o clichê frequentemente ouvido é que “tempo é dinheiro”. Doce ilusão para uma fuga da possibilidade única de fazer um lindo mergulho pelas camadas mais profundas do ser.

O encontro de cada um consigo mesmo, no início, é possivelmente um encontro difícil, por ser ansiogênico em essência. Não sei quem sou, logo tenho medo de ser aquilo que eu não quero ser. Medo de notar e sentir dores, insegurança, desconhecimento e, consequentemente, me permitir experimentar os prazeres também. O medo de chegar a um lugar que não conheço ou não encontrar ninguém me dá a oportunidade de ter que lidar comigo. De ter que conversar comigo mesmo e aprender a esperar.

Mas essa possibilidade está cada dia mais difícil. A primeira coisa que se faz quando se chega a um lugar e não se encontra ninguém é pegar o celular para conversar com “alguém”. Conversar com alguém ou vasculhar as redes sociais é uma excelente forma de nos ignorar. Mas, mesmo sendo seres potencialmente sociais, também somos pessoas únicas, com sentimentos e emoções. Sentimentos que precisam ser sentidos, vividos, construídos. Emoções que pontuam e dão significado à vida. Caso ainda não tenham percebido, só absorvemos aquilo que é vivido, aquilo a que atribuímos significado – pelo que sentimos, pelo envolvimento e troca afetiva que surgem em nossas vivências. O aprendizado se dá pelo sentido, Paulo Freire já dizia. Se o que não conheço não tem significado, torna-se, portanto, indiferente para mim.

Mas essa construção de dar e receber precisa ser feita primeiramente de mim para mim mesmo. Os primeiros significados e emoções surgem do meu corpo e das sensações e percepções que vivo. Quando esse contato comigo mesmo é desprezado, as relações com os demais ficam falhas, tortas, desmedidas. A medida que é o parâmetro para as demais é a minha comigo. Mas, quando é que eu poderei me encontrar se não tenho tempo para mim? O medo de me conhecer e ver que eu não sou aquela pessoa bondosa, generosa, caridosa e cuidadosa que almejava ser – mas que carrego dentro de mim, de alguma forma, inveja, ódio, ansiedade e insegurança – me assusta, pois quem garante o que eu posso e vou fazer com isso? Conter esses sentimentos e sensações parece difícil, então preciso ignorá-los. Fingir que não é comigo, pois enfrentar pedirá coragem, tempo, determinação, paciência e resiliência diante da dor e do futuro desconhecido. Mas existe outra forma de crescer? Existe outra forma de aprender? A opção passa a ser amadurecer ou permanecer regredido. É hora de repensar a possibilidade de se encontrar.

Diante disso, acho que vou marcar um encontro comigo mesma. Vou marcar na cafeteria de uma livraria nova. Conhecerei a livraria e me conhecerei junto. Ao chegar, quando a garçonete me perguntar se estou esperando alguém e o que quero pedir, responderei: “Quero um cafezinho acompanhado de sentimentos, pois marquei um encontro comigo mesma e já está sendo muito bom “conversar-me” a respeito. Bom dia!”.

Petruska Passos Menezes

Psicóloga CRP19/636,

Psicanalista em Formação pelo NPA/SPRPE

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data de publicação: 11/11/2014