Dor sentida e dor sofrida

19/08/2014

 

Dor sentida e dor sofrida.

 

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Tem dor que é sentida: começa na pontinha do cabelo, desce pelo fiozinho, chega ao coração e lá se enrola tanto que chega a apertá-lo. Tem dor que é sofrida, que se aprofunda nas entranhas e se estabelece em um escuro e vazio dentro da gente, mas que traz com ela o peso do amadurecimento e da sabedoria. Uma dor sentida é desnecessária, é símbolo de uma inflexibilidade que insiste em se fazer presente só para machucar, porque a teimosia não permite ver o mundo como ele é, mas como se quer que seja. A dor sofrida parece um álbum de fotografia. Guarda grandes momentos e pessoas que não existem mais, mas, como no álbum, basta que se folheiem as páginas para que as lembranças voltem e a saudade fique no ar como um perfume doce e forte.

Pois é, existe diferença entre dor sentida e dor sofrida. Hoje, muita gente sofre de dor sentida. É uma dor que vem do nada, que corrói a alma, tira o prazer da vida, escurece a luz do dia e embriaga o sono. Essa dor sentida é só sentida, não ensina, não acrescenta. A sensação é justamente o contrário: a de que a vida se esvai pelo ralo por conta de um banho frio e longo numa manhã de inverno. É como se dentro do peito todo o ódio se escondesse, mas tão bem escondido que não dá pra ver. Ódio de não ser como se quer ser, não ter o que se quer ter. Mas ele fica tão escondido que é impossível descobrir que ele está lá. Como ele não se esconde sozinho, leva com ele a esperança e os sentimentos bons. Essa dor sentida só pode ser curada com o tempo e com uma jornada interna pela floresta negra desconhecida que existe em todos nós, em busca desses sentimentos escondidos: os maus e os bons, os de ódio e os de amor. É um mergulho no oceano mais profundo, aonde a luz externa não chega e que somente nós podemos iluminar.

Mas, se estamos dispostos a mergulhar nessa dor sentida e ultrapassá-la até chegar ao que sentimos, desconstruindo todos os julgamentos de valor e de certo e de errado, chegaremos ao pulsar inerente à vida e, junto com ele, ao que nos faz sentir tristeza, alegria, amor, ódio, felicidade, inveja e a tudo que faz parte da alma humana. E, a partir do que sentimos, poderemos construir novos caminhos, pontes, estradas, que darão fluidez a esse ódio guardado até então. Quando o ódio encontrar seu caminho, os outros sentimentos também o encontrarão e o rio da vida voltará a correr com todos os sentimentos presentes. A dor sentida perderá força, pois era alimentada por esse ódio. A vida ganha novo brilho e até dá espaço para a dor sofrida.

A dor sofrida é uma dor necessária à vida. É a dor do parto, do crescimento, do amadurecimento e também do luto. A dor sofrida é igual à provocada pelo corte feito em um carocinho infeccionado para retirar o que tem de ruim e deixar o corpo fazer o trabalho de recuperação de forma mais rápida e saudável. Por ser sofrida, também pede tempo, mas é a dor que acrescenta algo. É como se a gente pudesse pegar uma imagem de tudo o que está do lado de fora e que faz falta e guardar um pouquinho dentro da gente (o álbum de fotografia). Dentro da gente, do vazio, abre-se espaço para a plenitude e, quando a dor sofrida passa, há todo um novo universo girando internamente. Houve outro “big bang” e o mundo interno se expande. Não é uma dor ruim de todo. É uma dor, mas importante porque ensina a suportar e a tolerar o que não é possível, o que não é real. É uma dor que, por incrível que pareça, estimula a criatividade e a fantasia como recursos adicionais à, muitas vezes, cruel realidade.

Da próxima vez que tiver com uma dor lá no fundo da alma, pergunte-se: é uma dor sentida ou uma dor sofrida? Se concluir que é uma dor sentida, por que é que vai continuar a senti-la? Pense se vale a pena. Se é uma dor sofrida, entenda que está na hora de crescer mais um pouco, de transformar, e aproveite a oportunidade para isso. Quando é uma ou quando é outra? Só você poderá descobrir.

Petruska Passos Menezes

Psicóloga CRP19/636,

Psicanalista em Formação pelo NPA/SPRPE

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data de publicação: 19/08/2014