A roupa nova do rei, a copa do mundo é um gigante nu.

15/07/2014

 

 

A roupa nova do rei, a copa do mundo é um gigante nu.

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Era uma vez um Rei que gostava tanto, mas tanto de se vestir bem, que investia todo seu tempo e dinheiro em roupas. Ele não queria saber de discutir problemas do Reino ou de reuniões, a não ser que fosse para mostrar uma roupa nova.

Era um Reino importante, visitado por pessoas ilustres e o Rei precisava estar bem vestido. Um dia apareceram dois rapazes que espalharam o boato de que seriam os melhores tecelões do mundo, de cujas mãos seriam fabricadas roupas tão lindas, mas tão lindas que só poderiam ser apreciadas e vistas por pessoas cultas, inteligentes e que trabalhassem de forma correta. Essa história corria pelo Reino e chegou aos ouvidos do Rei que pensou:

“Que sorte a minha, vou ter a roupa mais linda do mundo e ainda de quebra vou saber quem são os burros e preguiçosos do meu Reino! Negócio fechado! ” E os supostos artesões iniciaram a obra. Cobraram caro pelo serviço, mas isso não importava, pensou o Rei. Pediram a mais linda seda, os diamantes mais puros, o fio de ouro mais deslumbrante.

Enquanto isso o Rei, morto de curiosidade, mandou alguns de seus serviçais supervisionarem a obra. O Primeiro Ministro, o Secretário, todos passaram pela oficina, mas, embora os artistas trabalhassem noite e dia nada aparecia no tear.

“Não está ficando deslumbrante? Aproxime-se para ver mais de perto, mas cuidado para não danar tão fino tecido!”, diziam os artistas, apontando para o tear vazio.

“Oh, meu Deus!”, pensou o Primeiro Ministro, “Não tem nada aí, será que sou burro? Preciso dar um jeito de ninguém descobrir... Que maravilha! ”, responde o Primeiro Ministro. “É uma roupa digna do Rei! ”

E assim, sucessivamente, os serviçais supervisionavam a obra, levando ao Rei notícias sobre a roupa mais linda do mundo.

Ansioso para ver a obra, o Rei experimentou a roupa e vendo aquela maravilha sorri e pensa no quanto Ele seria culto e inteligente.

Multidão nas ruas, festa, comoção nacional, o Reino para diante de tal acontecimento. O Rei inicia seu desfile. Todos extasiados diante de tal maravilha!

¨Mas o Rei estánu!¨, diz uma criança.

¨Nossa, escutem o que diz essa criança inocente”, diz o pai da criança.

O Rei olha para si e percebe que está nu. Morrendo de vergonha, tenta cobrir-se e correr de volta para o castelo, enquanto um coro o persegue: ¨O Rei estánu , o Rei está nu...¨

No dia oito de julho de 2014, nos demos conta, perplexos, que o Gigante também está nu. Cada bola cravada no fundo da rede da seleção brasileira de futebol era um grito de dor e de espanto ao perceber o Gigante nu! Buscam-se justificativas, culpados para tão humilhante derrota.

Existem várias definições para a palavra Equipe, porém em todas as definições, o que existe em comum é que os integrantes de uma Equipe compartilham os objetivos e resultados. Com-partilhar: dividir algo com alguém.

Sempre escutei que futebol é jogo de Equipe, no campo, no corpo a corpo, na marcação, em lances individuais que privilegiam o coletivo, a Equipe. E o Brasil que eu vi em campo não era uma Equipe.

Vi o individual prevalecer sobre coletivo (reflexos da cultura narcísica em que estamos imersos?). Vi ¨estrelas¨ querendo brilhar e esquecendo-se de jogar. Vi excesso de autoestima, traduzido na linguagem psicanalítica por arrogância. Vi ¨ídolos¨ ditando moda e sustentados por um pensamento mágico e onipotente de que uma camisa verde e amarela (a roupa nova do Rei!) faria tremer os adversários.

Mas uma Alemanha coesa, verdadeira Equipe, iniciou um massacre ao nosso narcisismo e expôs o Rei nu escondido dentro do Gigante. A cada gol marcado uma peça de roupa cai por terra mostrando 200 milhões de Brasileiros nus, frágeis, desprotegidos, órfãos. Sem saúde pública de qualidade, sem segurança, impregnados de corrupção.

É hora de responsabilidades, não de culpas, hora de reconhecer a incompletude, a falta, poder ver o outro e no outro a parte que me complementa, hora de sofrer a dor, enfim, aprender com a experiência.

Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor. E chegou a hora de encarar o Rei nu. Por mais doloroso que isso possa parecer, penso que é a única maneira de conseguirmos, não mais construir um Gigante, mas erguer uma nação!

Ana Rita Menezes da Silva de Pineyro

Psiquiatra,

Postulante a formação psicanalítica pela Sociedade Psicanalítica do Recife.

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data de publicação: 15/07/2014